sábado, 14 de enero de 2012

Relato sobre uma empresa holandesa

Quando aterrei neste país e comecei a minha odisseia pelo mercado de trabalho, não me imaginava como sería trabalhar para uma empresa holandesa, mas tinha muita curiosidade em estabelecer as diferenças em relação a Portugal e Espanha, que até agora são os dois únicos países em que posso realmente ter uma ideia realista de como funcionam as coisas. Se bem que no primeiro nunca trabalhei (distribuir publicidade nao conta) e tenho que me basear no que me diz a gente, em relação a Espanha o fandango já nao é bem assim e neste momento nao consigo encontrar muitas coisas que sejam melhores no país de "nuestros hermanos" do que aqui na Holanda, falando obviamente de trabalho...

Trabalhar para uma empresa de engenharia holandesa é uma oportunidade na minha vida da qual me sinto orgulhoso de ter perseguido e alcançado, já que a fama dos engenheiros holandeses é mundialmente reconhecida e o simples facto de poder aprender e crescer na minha profissão no seio da inovação tecnológica nao tem preço. Para a minha evolução pessoal e profissional nos próximos anos tenho muitas expectativas estabelecidas e aposto (e espero) cegamente que a Holanda me os retribua com a mesma energia e dedicação. Por agora trabalho em Delft e apesar de ter uma hora e pouco de transportes diários desde Amstelveen, não poderia estar mais feliz.

Pondo de lado a parte de enviar curriculos e fazer entrevistas (isso é material para um outro post), começei a trabalhar num dia de chuva em que o céu estava pintado de branco escuro, como que para me despedir de um ano sabático cheio de aventuras e dar as boas-vindas (uma vez mais) ao mundo laboral.

Durante o tempo que levo a viver na Holanda vou tomando notas das coisas que acho inovadoras e interessantes para partilhar neste blog (as viagens de comboio permitem-me ter um momento diário de reflexão para tirar algumas notas para o meu caderno). A lista que se segue (obviamente) não é tudo o que se pode dizer sobre as empresas holandesas, primeiro porque me imagino que cada uma terá as suas diferenças específicas e as suas subjectividades e segundo porque só conheço uma delas e não poderei, por mais que seja essa a minha vontade, generalizar. De todas as formas dá para ficar com uma ideia de que como as coisas funcionam neste país:

  • Chip de identificaçao pessoal para poder aceder ao edificio: Vulgo "picar o ponto". Com esse chip posso entrar nos diferentes departamentos da empresa e é também o meio pelo qual se controla que toda a gente cumpra as 40 horas semanais. Pelo que ouvi por aqui é algo muito comum nos edifícios de empresas.
  • Hora de entrada "volátil": Não há hora de entrada estabelecida para começar a trabalhar. Cada empregado escolhe a hora que mais lhe convém, isso sim (e este ponto é obrigatório) tem que se "pegar no serviço" entre as 07h30 e as 10h00 da manhã. Este sistema é muito interessante pois permite a cada um dos empregado da empresa a gestão do seu dia-a-dia. Aqueles que gostam de madrugar podem começar bem cedo e sair mais cedo. Quem gosta de dormir até mais tarde também pode disfrutar da caminha e começar a trabalhar a meia manhã.
  • Bar da empresa: Ás sextas feiras, religiosamente no quarto andar do edifício, abre-se o bar da empresa, com cerveja Heineken de barril, vinho branco e vinho tinto grátis e à descrição, sem empregados para servir, baseado num sistema self-service bem ao estilo honesty bar que já vi em alguns hoteis, mas que neste caso não se tem de pagar. Também põem uns amendoins e cajú para empurrar as cervejolas e existe uma mesa de matrecos e uma área chill out com sofás fofinhos. Que quiser fumar um cigarro pode sair para um terraço com vista panorâmica sobre o centro histórico de Delft. É uma prática no meu ponto de vista muito interessante, pois fomenta as relações extra profissionais entre os colegas de trabalho e permite a convivência com os mais diversos departamentos, que numa situação normal não aconteceria tão naturalmente. Este é o sonho de qualquer apreciador de cerveja e parece que é um costume nas empresas que trabalham em offshore, como é o meu caso.
  • Cantina: No centro do edifício existe a cantina da empresa. É um espaço pequeno com pouca variedade de comida, na sua maioría sandwiches e comidas frias, estilo saladas, fruta, salgadinhos (croquetes, nuggets, etc.) e também uma selecção diária de duas sopas. O preço é simbólico (comparado com um estabelecimento holandês na rua) e por uma refeição com salada, sopa e dois salgadinhos ou algo do estilo pago cerca de 3,5 eur. Em Espanha levava a minha comida para o trabalho, mas aqui prefiro comer na cantina, acho que não dá para o trabalho e preocupação de ter que preparar o tuperware cada dia...
  • 8 horas diárias + 1 hora de almoço: Oito horas são oito horas, nem mais nem menos como não poderia ser de outra forma num país tão estruturado como a Holanda. Mas também não se pode reduzir a hora de almoço a meia hora para sair mais cedo (que foi a minha primeira proposta aos meus chefes), para esta gente as regras são para se levar à letra. Pela primeira vez na minha vida trabalho oito horas por dia e não sinto a pressão (que ás vezes sentia em Espanha) de querer cumprir as oito horas e no momento de ir para casa, tenho o olhar dos meus colegas sobre mim como quem diz "Olha-me só este gajo, nós aqui a entrar às 08h30 e a sair às 19h00 e o gajo já se vai embora às 17h30".
  • Flexibilidade: Desde que cada um cumpra com as suas obrigações não há muito que discutir com o chefe. Se eu quiser posso trabalhar meia hora mais cada dia e sexta-feira sair duas horas mais cedo. Se eu tiver que sair e tratar de um assunto pessoal, depois logo compenso outro dia, afinal todas as horas estão registadas e a confiança nas pessoas conta.
  • Férias: 30 dias de férias por ano (6 semanas), sem contar os feriados e a opção de comprar uma semana extra. Esta última parece-me uma coisa fabulosa e de certa forma hilariante. Se tu achas que com seis semanas de férias ainda não é suficiente, então a empresa dá-te a opção de poderes comprar 5 dias extra ao preço simbolico diário de ordenado bruto mensal/21,75, isto sim descontado no próximo salário.
  • Logística interna: Tudo funciona como um relógio no sistema de organização da empresa. Qualquer que seja a situação parece que eles têm tudo pensado de forma a optimizar o processo e existem procedimentos específicos para tudo. Por exemplo: Todas as semanas cada empregado tem que associar as suas horas a determinado projecto ou situação (ferias, visita ao médico, feriados) e assim o controle de recursos é mais efectivo; cada empregado têm uma área pessoal na intranet da empresa onde acede com o seu user name e password e pode gerir tudo relacionado com o trabalho, desde pedir férias ou vistas ao médico, descarregar recibos de ordenado, até ver as fotografias da última festa de Natal da empresa ou descarregar documentos dos diversos departamentos.
  • Avaliações e afins: Se bem que é uma prática bem comum em muitas empresas por todo o mundo, é a primeira vez que vejo tal coisa pessoalmente. Para cada empregado existe uma avaliação anual com os managers, onde se discute o performance da pessoa em questão e se tem a oportunidade de dizer o que se pensa do dia-a-dia na empresa. Isto demonstra interesse por parte das empresas em quererem melhorar com base no ponto de vista dos empregados e usar a opinião de cada pessoa para o bem comum da entidade, para não falar do reconhecimento da importância dos empregados como motor de qualquer negócio. Além disto é normalmente nas avaliações que se comunica ao empregado se vai ter direito a bonus ou aumento de ordenado em função do desempenho. Pelo que vi pelos meus colegas (e fiquei surpreendido pois parece que a falta de engenheiros neste país se nota aqui) existem também prémios monetários de fidelidade aos empregados que celebrem 3 anos de casa (ou por outras palavras, que não se venderam à competência) e pins de celebração por cada cinco anos de trabalho ourtogados directamente pelo Sr. Presidente em algum dos eventos oficiais da empresa.
  • Dia-a-dia multicultural: Partilho os meus dias com holandeses, na sua maioría, num ambiente internacional em que para além de portugueses existem também italianos, ingleses, iranianos, turcos, indianos, surinamianos, etc. Como o idioma oficial da empresa é inglês tudo o que acontece na empresa acontece nesta língua germânica, desde reuniões, troca de emails, comunicados internos, etc. A nível de integração e oportunidade para extrangeiros é uma realidade interessante e eu realmente sinto-me confortável aqui. Na minha sala sou o único que não fala holandês por isso como bonus track de trabalho, estou a desenvolver também o meu holandês, pois entre eles normalmente falam nessa língua, a não ser que seja alguma coisa que me diga respeito directamente.

2 comentarios:

Andorinha dijo...

Isso é o normal em qualquer multinacional americana, excepto a parte das 8 horas diárias cumpridas com religião, que isso sim, é mto holandês. Tenho todos esses automatismos e flexibilidade há 12 anos na IBM. Tb é verdade que a minha empresa sempre esteve mto mais à frente que mtas empresas. Mas relativamente a Espanha deve ser realmente uma diferença abismal :)
Mas isso agora não interessa nada: PARABÉNS pelo novo emprego!! Tenho a certeza que vai correr bem!

Tim Ruivo dijo...

Grande Mário,
Gostei muito de ler o teu post, parecia estar a ler um artigo ou guia do expresso sobre como é trabalhar lá fora e a lógica laboral de uma empresa do Norte da Europa. Posso-te dizer que matei a curiosidade por inteiro, excelente trabalho!

E tenho a certeza que este blog bem promovido terá mega sucesso para quem emigrar, e nesta altura já são muitos.

Ainda bem que tudo começa a encaixar passado um ano e agora é começar a consolidar raízes e ser ainda mais feliz.

Fico à espera de mais notícias a relatar as aventuras executivas.

Abração